quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Atlântico Expresso: Entrevista a Rui Alegre, CEO da Portuscale Cruises

Fonte: Jornal Atlântico Expresso
Edição: 2013/09/30
Jornalista: Ana Coelho

Açores serão uma aposta muito forte a desenvolver pela única companhia de cruzeiros nacional.


Rui Alegre deu recentemente uma boa notícia a Portugal e ao mar português. Com bastante experiência no sector do Turismo, o actual CEO da Portuscale Cruises fez renascer, de entre os mexilhões do cais da Matinha, o emblemático e saudosista paquete Funchal. Para além deste navio, a frota da empresa Classic International Cruises (CIC) do já falecido George Potamianos, integrava mais navios clássicos, três dos quais passaram para a Portuscale Cruises, adoptando novos nomes: o “Princess Danae”, passou a “Lisboa”, “Arion” agora é o “Porto” e finalmente o “Athena”, que se passou a designar-se “Azores”. 

"Manter o nome do “Funchal” mas mudar o nome dos outros navios para nomes de portos portugueses, foi uma forma que encontrei para que estes navios sejam excelentes cartazes de Portugal, do Turismo e das nossas exportações pelos portos que poderão visitar”, referiu em entrevista ao nosso jornal o CEO Rui Alegre. Levantando um pouco da ponta do véu sobre o futuro do Azores, para o qual navio este empresário diz ter “um grande projecto": "Vai estar associado a um grande mercado e a um grande operador e fará cruzeiros desde a Gronelândia ao Mediterrâneo, aos mares Negro e Báltico, sendo embaixador do grande nome deste arquipélago dos Açores”

Quanto ao nosso arquipélago e à Portuscale Cruises, Rui Alegre é peremptório: “os Açores serão, no que depender de mim, uma aposta muito forte a desenvolver pela companhia. Este arquipélago tem ainda muito para dar na atractividade de trazer pessoas a estas ilhas e eu, e os meus navios, queremos contribuir para isso. O paquete Funchal virá cá, com certeza, todos os anos em um ou dois cruzeiros. Mas quero fazer mais coisas nos Açores, e estou já a estudar uma forma de poder estar nestas ilhas, com a Portuscale Cruises, de uma forma mais permanente. Espero, nos próximos meses, ter mais ideias claras sobre isso”.


Já esteve ligado, enquanto empresário a diversas áreas de actividade. Porquê agora esta ligação aos navios de cruzeiro? De onde surgiu esta vontade?
É uma pergunta muito pertinente à qual não sei se saberei responder efectivamente, mas como empresário e como gestor sempre coloquei a mim próprio a pergunta de qual seria o projecto que mais gosto e, digo sempre, que é sempre o último pois foi ao qual eu entreguei o máximo de mim, mas também é sempre o próximo porque considero que ainda faltou fazer mais qualquer coisa.
Nunca tinha estado ligado à indústria de cruzeiros ou de navegação, directamente, mas esse é um assunto que me atrai há já largos anos. Tudo o que tenha a ver com o mar e com as infraestruturas marítimas, nomeadamente os navios e tudo o que os rodeia, por visão e convicção atrai-me há mais de 15 anos.

Defende, convictamente, a viragem de Portugal para o mar?
Eu sou um pouco cáustico em tudo o que não encontro justificação e uma destas é a questão de como é que Portugal luta e gasta tanto tempo e dinheiro a descobrir clusters e outras coisas para fazer na economia, mas, num passado recente – as últimas duas décadas – deixou morrer um grande cluster como é a indústria naval. Como é que um país como o nosso que tem a maior superfície territorial marítima não tem esta indústria como o seu cluster? E falasse em chavões como a perda de competitividade face a outras regiões do mundo, mas isso, para mim, não faz sentido nenhum.
E digo isso com conhecimento de causa, pois quando entro nalgum trabalho faço o trabalho de casa e “ponho a mão na massa” e sei que Portugal tem mais que condições competitivas para ser um país na indústria naval internacional. Por isso não encontro qualquer razão para se ter posto ao lixo centenas de milhões de euros de valor económico anual que esta indústria poderia gerar.
Mais, não sei se é possível recuperar agora desta situação e, a ser possível, se houver alguns “voluntários” que queiram entregar a sua missão a um projecto da economia do mar, não sei se será possível fazer esta recuperação nem quanto esta irá custar para voltar a reestabelecer esta indústria que foi um cluster nacional.

E temos provas na nossa História que somos capazes…
Exacto! Já fomos o maior produtor de sal do mundo e já tivemos uma indústria naval gigante e mesmo uma das maiores da Europa. Já fomos nas pescas, quer nacionais quer internacionais, uma referência. Há tanta coisa em que já fomos excelentes e hoje temos zero, que penso que ficaríamos aqui todo o dia a falar sobre este assunto. Neste país há duas coisas que deveriam acontecer para que Portugal fosse em frente: uma, era haver um voto de silêncio com um imposto de contrapartida sobre a fala, ou seja, que recairia sobre quem fala e não faz; e a segunda passaria por olharmos para os activos que temos e devolvê-los à economia e à sociedade civil.


Foi com esta vontade que decidiu, em tempo de crise, empreender mais este investimento?
A palavra crise, para um empreendedor, não tem o mesmo significado do que está no dicionário. Não é possível, uma sociedade e uma economia existirem sem que haja décadas na sua história em que houve altos e baixos.
Tudo é objecto de correcções, sejam os seres humanos, sejam os objectos ou os projectos. Tudo tem ciclos e a crise nada mais é do que o ponto para se encontrar novos paradigmas e formas de desenvolvimento e inovação. Por isso, este período, nada mais é do que a altura para se criar novos agentes económicos. E o exemplo do “Funchal” é um claro modelo do que acabei de dizer. Tudo começou quando passei, um dia, no cais da Matinha e vi este navio abandonado. E repugna-me ver coisas abandonadas. Pensei como seria possível haver um património cem por cento português (pensado e criado por portugueses), cheio de mexilhões agarrados à sua estrutura e deixado à sua sorte. Foi então que senti que seria algo ideal para mim e fui procurar saber de quem era. Daí surgiu a ideia e se assim não fosse hoje o Funchal já estaria desmantelado ou em sucata num qualquer depósito nacional.

Porquê a escolha destes quatro navios (Funchal, Azores, Porto e Lisboa), em particular, para recuperar e colocá-los novamente a navegar como paquetes clássicos?
Foi uma oportunidade. Quando vi o Funchal, procurei e descobri quem estava na posse daqueles activos e que eram mais do apenas aquele que estava no cais da Matinha. No fundo, o problema estava apenas numa das embarcações, mas na prática fiquei com o problema como um todo. Sinto que estamos a fazer um trabalho fantástico.
Tudo, especialmente a bordo do Funchal, está feito em detalhe. Tudo. Desde a linha de cada uma das alcatifas que foi escolhido ao pormenor e tingida cor por cor, depois mandadas tecer até as peles escolhidas para o mobiliário, por exemplo, foi tudo montado de forma a que as pessoas que aqui estão se sintam em casa.

Foi mais um projecto ou foi o projecto?
Este foi, talvez, o projecto mais complexo que tenha tido, porque tem variáveis operacionais que eu não dominava. Hoje já conheço mais do que conhecia há seis meses atrás. No contexto hoteleiro e do mercado, a ideia que tenho é a de qualquer outra indústria com as suas especificidades com as quais já estou habituado a trabalhar.
Mas confesso, que este é um projecto especial, no sentido de que, mal entrei neste navio, senti a carga emocional e histórica, ou seja, o tanto que este navio representou para Portugal, para as ilhas e para as pessoas.
Quando cheguei a Ponta Delgada e vi pessoas a chorar quando o Funchal se aproximou do porto, fiquei impressionadíssimo. E é nestas alturas que uma pessoa pensa que realmente valeu a pena entrar neste negócio. Significa que estou a fazer alguma coisa importante.
No final de tudo digo que, o verdadeiro empreendedor e empresário – e é uma coisa que as pessoas não entendem – não faz as coisas pelo volume financeiro que este ou aquele negócio pode representar, mas sim pela glória que significa fazer algo, transformando algo, com sucesso e dignidade e valor. Por isso é que sabemos que a História se desenvolve com pessoas que, na prática, vêem as coisas e entregam-nas feitas, entregando a estas tudo o que têm.
E é esta raça de pessoas que faz este tipo de coisas. Existe pelo mundo inteiro, mas penso que Portugal perdeu muito o seu sentido aventureiro e empreendedor, dentro de portas… pois, pelo mundo fora, os exemplos de portugueses empreendedores e de sucesso não faltam. Por todo o lado, por todos os sectores e valências, existe um português muito bom, a fazer qualquer coisa. Por isso é que se diz que existe um outro Portugal fora de Portugal…


Estes cruzeiros que a Portuscale Cruises pretende realizar com estas embarcações são, em quê, diferentes da oferta que já existe feita por companhias estrangeiras?
Nós somos a única empresa de cruzeiros portuguesa e tudo aquilo que estou a fazer neste navio (Funchal), em particular, não poderia ser mais oposto do que é oferecido no mercado. O que acontece actualmente e é uma tendência crescente, - e bem do ponto de vista de quem os faz – passa por trazer as pessoas para bordo de um navio, com espaços fechados e com grandes facilidades de entretenimento e ilusões. Um mega parque de diversões, fechado, que flutua. O que faço é completamente o oposto.
Investi imenso no navio como um todo, sendo que todos os outros estarão imbuídos da mesma filosofia, ou seja, pensados no conforto dos passageiros, mas com a vontade que estes venham até ao seu exterior.
Tenho varandas com mil, dois e três mil metros quadrados no Funchal para cada um dos passageiros, pois são os decks onde se pode usufruir da navegação. Assim, quem vem para estes cruzeiros, pode encontrar três coisas: o espírito de se sentir em casa, o sentir-se em casa e a navegação. E estas não se sentem nos outros cruzeiros.
Todos os navios flutuam, mas são experiências completamente opostas. Aqui, as pessoas terminam o cruzeiro sentindo o mar e a brisa e, quase, todas as várias estações do ano.
A tripulação é fantástica e faz com que os passageiros sintam o conforto de estar numa sua segunda casa. Assim garantimos que as pessoas poderão voltar, porque se sentiram em casa.

Os produtos portugueses são uma escolha privilegiada no Funchal?
Eu costumo dizer que sou um português de convicção, não obcecado, pois acho que só se deve promover as coisas que são verdadeiramente boas e, como tal, em tudo neste navio, se sente Portugal. Desde as alcatifas – como já referi, passando pelos bens de consumo e pela tripulação, bem como o espírito que está inerente aos navios, tudo é português. Mas também sei que é uma coisa induzida, pois sei que o mercado que vai sustentar este negócio não é o português e em todos os meus menus de comida e vinhos, existe uma referência portuguesa. Sei que Portugal não é o maior em nada, mas temos, enquanto povo, algo fantástico na nossa essência: talvez sejamos dos únicos países do mundo que não tem inimigos e temos uma forma natural de bem receber.


Ao nível dos Açores, há um navio que terá o nome do nosso arquipélago. Qual é o ponto da situação deste paquete em particular e por que mares navegará este quando estiver pronto?
O Azores teve uma recuperação muito, muito intensa, ao nível técnico, durante três meses. Agora está na fase de recuperação interior. Já flutua e está a fazer um ‘upgrade’ da sua formação hoteleira e estará em operação de cruzeiros a partir de Março do ano que vem.
O Azores - sem querer avançar, por enquanto, muito, pois este é um assunto muito reservado e cujos pormenores poderão ser divulgados nos próximos dias – será um grande projecto! Vai estar associado a um grande mercado e a um grande operador e fará cruzeiros desde a Gronelândia ao Mediterrâneo, aos mares Negro e Báltico, sendo embaixador do grande nome deste arquipélago dos Açores. E aqui confesso que fiz questão que um dos navios da companhia se chamasse Azores.

Assumem nomes emblemáticos do território nacional…
Exacto. Penso que poderemos dizer que é uma contribuição por aquilo que acredito que Portugal é e pode ser. Falar do Porto, de Lisboa, do que representa o Funchal para a navegação nacional e dos Açores é fazer alusão a referências patrimoniais mundiais inquestionáveis. E o que qualquer um de nós possa fazer para levar o nome do nosso país para o Mundo acaba por ser, não só uma vontade, mas acima de tudo uma obrigação.


O nosso arquipélago, para a Portuscale Cruises, que papel desempenharão para e no crescimento da única empresa de cruzeiros nacional?
Os Açores serão, no que depender de mim, uma aposta muito forte a desenvolver pela companhia. Os Açores têm três coisas muito importantes neste contexto: são ilhas – e as ilhas são sítios para navios; são bonitas – e beleza é tudo o que uma pessoa, de férias, quer sentir e, são ilhas, realmente, património mundial. Os Açores têm muito ainda para dar na atractividade de trazer pessoas ao arquipélago e eu, e os meus navios, queremos contribuir para isso. O paquete Funchal virá cá, com certeza, todos os anos em um ou dois cruzeiros. Mas quero fazer mais coisas nos Açores, e estou já a estudar uma forma de poder estar nestas ilhas, com a Portuscale Cruises, de uma forma mais permanente. Espero, nos próximos meses, ter mais ideias claras sobre isso.

Considera viável a existência de minicruzeiros entre as ilhas açorianas?
É mais que viável. Acredito que sim.
Essencialmente para quem visita estas ilhas que têm, cada uma delas, especificidades que atraem milhares de turistas. Digo que, no meu caso, penso todos os anos vir de férias visitar os Açores, mas não consigo fazê-lo pela logística a que isso obriga. Mas quanto mais sei sobre estas ilhas apercebo-me que tudo isso é lindo de morrer. Por isso mesmo, o cruzeiro é a solução…

Há açorianos a pedir-vos para regressar aos Açores no Funchal?
Tenho recebido algumas cartas, provocações e pedidos… Acho que há muito mais para pedir e que os açorianos têm muito mais para dizer e vontade de estar no paquete Funchal nesta ligação que existe entre o arquipélago e o continente. Mas acho que ainda estamos ainda numa fase em que a maioria dos portugueses, até ver, ainda não acreditou que fosse possível o paquete
Funchal, realmente, renascer. Foram muitos anos de afastamento do navio, foram três anos em que o navio esteve ao abandono e por isso existe ainda, alguma timidez, em acreditar que é verdade e que o Funchal está de volta. E por isso, mais uma vez relembro a chegada, no início da passada semana, a Ponta Delgada. Houve pessoas que vieram a bordo e, boquiabertas, perguntaram como é que tinha sido possível fazer renascer este navio e trazê-lo, mais uma vez, aos Açores.
E disseram-me: “Afinal, é verdade!”.
Tudo o que está por detrás destes sentimentos é a cultura, a história de povo, ou seja, tudo aquilo que cria valor sem ter que estar inscrito numa folha de cálculo. Por tudo isso, sinto-me na responsabilidade de fazer tudo o que fiz e que quero continuar a fazer.


Um furnense a bordo do ‘Funchal’
Carlos Sousa, natural das Furnas, trabalha actualmente num dos restaurantes do paquete Funchal. Há 24 anos que está ao serviço da Marinha e esta é a primeira vez que está a trabalhar neste navio de cruzeiros clássico, muito embora, na antiga companhia detentora destes navios, a Classic International Cruises (CIC) do já falecido George Potamianos, já tivesse trabalhado em restaurantes do “Arion” e do “Princess Danae”. Agora, na Portuscale Cruises, sente-se, em casa. Do porto das Portas do Mar, na segunda-feira passada, não conseguiu ir até à sua terra natal visitar família e amigos. “Mas a família veio cá visitar-me e pudemos jantar aqui em Ponta Delgada. Foi bom regressar a casa, de barco, pela primeira vez em 24 anos. Vir a casa é sempre bom. Hoje (terça-feira, dia 24 de Setembro) tive o pequeno-almoço de folga”.


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